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A CRISE DA INTELIGÊNCIA HUMANA: COMO RESGATAR O DIÁLOGO PERDIDO?
Por Ricardo Vianna Hoffmann
Publicado em 27/09/2025 17:17
Entretenimento
Imagem gerada por IA - ChatGPT, prompt escrito por Ricardo Vianna Hoffmann, em 09.03.2025.

A CRISE DA INTELIGÊNCIA HUMANA: COMO RESGATAR O DIÁLOGO PERDIDO?

"A preocupação não deve ser com a Inteligência Artificial, mas sim com a Inteligência Humana, que está cada vez pior."

(Professor Guto Niche)

A crise da inteligência humana. Essa reflexão nasce a partir da provocação do professor Guto Niche, doutor e mestre em Educação pela PUCRS. Suas palavras nos convidam a olhar além da tecnologia e a questionar o que realmente está em crise, ou seja, a nossa capacidade de pensar criticamente, refletir e conviver de maneira respeitosa e fraterna em sociedade.

A humanidade sempre viveu entre avanços e retrocessos, entre momentos de grande progresso e períodos de escuridão. Hoje, não é diferente. Embora tenhamos alcançado marcos extraordinários na medicina, na comunicação e nos direitos humanos, também testemunhamos o crescimento da intolerância, a ascensão dos discursos de ódio e o enfraquecimento do pensamento crítico.

Somos uma espécie fascinante, capaz de gestos de amor e empatia que mudam o curso da história, mas também de ações movidas pelo medo e pela intolerância, que nos afastam uns dos outros. O mundo que estamos construindo reflete as escolhas que fazemos a cada dia. A grande questão que nos cabe agora é: vamos repetir os mesmos erros ou seremos capazes de romper esse ciclo e criar um futuro mais justo e fraterno?

Redes sociais: espaço de diálogo ou campo de batalha? Nas redes sociais, o que deveria ser um espaço exclusivamente de diálogo e aprendizado transformou-se, em grande parte, em um campo de batalha ideológica, onde o debate e a troca de ideias foram substituídos por ofensas; as reflexões deram lugar a respostas impulsivas e superficiais; e o pensamento divergente, assim como as diferenças de ideias e concepções, tornou-se motivo de inimizades. Estamos cada vez mais conectados tecnologicamente, mas, cada vez mais distantes como seres humanos.

O perigo da idolatria política. Vivemos tempos em que a paixão pela política muitas vezes se sobrepõe à razão, transformando líderes em figuras quase intocáveis. Pessoas que antes condenavam determinadas atitudes como inaceitáveis agora as minimizam ou justificam quando partem daqueles que admiram. O que antes era corrupção, autoritarismo ou contradição passa a ser visto como um "mal necessário", um detalhe perdoável diante de um propósito maior.

Nessa lógica, o debate se esvazia, a vigilância cidadã dá lugar à defesa incondicional e qualquer crítica, por mais legítima que seja, é encarada como um ataque. O erro do líder não é mais um motivo para reflexão, mas uma arma para atacar seus opositores. Assim, aos poucos, a política deixa de ser um espaço de construção coletiva e se torna um campo de batalha, onde a lealdade ao seu “ídolo” vale mais do que a coerência.

Ao seguirmos cegamente líderes políticos, anulamos nosso pensamento crítico. Um dos fenômenos mais preocupantes da atualidade é a adesão incondicional a figuras políticas, sem qualquer análise crítica. E aqui, leitor, não importa a qual partido ou ideologia pertença seu líder preferido.

A política que deveria ser um espaço de debate, questionamento e construção coletiva, em vez disso, tem sido reduzida a um jogo de lealdades absolutas, onde muitos seguem líderes sem questionar seus discursos, suas práticas e suas contradições. Vivemos uma era na qual as pessoas não escolhem um lado com base em argumentos racionais, mas sim pela emoção e pelo ‘tribalismo ideológico’.

Esse fenômeno é impulsionado pelo efeito ‘bolha’ das redes sociais, em que os algoritmos filtram e reforçam o conteúdo apresentado ao usuário, criando um ambiente de reafirmação contínua e ausência do contraditório. Esse tipo de raciocínio elimina o debate democrático e incentiva uma visão de mundo na qual o outro deixa de ser um parceiro de diálogo para se tornar um inimigo a ser combatido e, se possível, abatido e ‘cancelado’ nas redes sociais.

A fragmentação da sociedade decorrente desse processo resulta em discursos políticos vazios, baseados em promessas simplistas e soluções ilusórias, que não oferecem respostas reais para os desafios complexos que enfrentamos. Quer comprovar isso, leitor? Basta assistir aos discursos de alguns senadores, deputados federais e estaduais e vereadores.

O discurso de ódio e suas vítimas. Leitor, você deve estar se perguntando como modificar essa situação que estamos vivendo. Para enfraquecer as vozes que tanto prejudicam a política e o nosso país, além de buscar sua responsabilização legal, precisamos reduzir as “curtidas” e a visibilidade dessas vozes tóxicas e deixar de lhes dar atenção. Ao voltarmos nosso interesse para discursos construtivos e comprometidos com o bem comum, fortalecemos a democracia e promovemos mudanças verdadeiras.

Com o crescimento dos discursos de ódio, a internet tornou-se o novo ‘campo de batalha’. Se as redes sociais surgiram com a promessa de aproximação e democratização da informação, na prática, têm sido cada vez mais utilizadas como ferramentas para disseminar ódio, desinformação e linchamentos virtuais. Como advertiu Umberto Eco, antes, os imbecis falavam apenas em bares, sem grandes consequências, mas agora, com as redes sociais, ganharam o mesmo espaço e visibilidade que especialistas, amplificando discursos rasos e perigosos sem qualquer filtro ou responsabilidade.

Em vez de fomentar o diálogo, a internet tem sido usada para expor, ridicularizar e destruir reputações, muitas vezes sem qualquer embasamento. O que deveria ser um espaço de troca tornou-se um território de ataques gratuitos, onde a violência simbólica se manifesta de maneira descontrolada.

O discurso de ódio não é um fenômeno isolado ou espontâneo, mas sim um reflexo de uma sociedade que naturaliza e perpetua desigualdades estruturais, ou seja, desigualdades que fazem parte do funcionamento social e dificultam o acesso igualitário a direitos e oportunidades. A população LGBT, por exemplo, é constantemente alvo de ataques, seja por meio de ofensas diretas, seja por formas mais sutis de exclusão, refletidas na desigualdade de oportunidades e na violência cometida contra essa população.

Outro exemplo ocorre com as pessoas em situação de rua, frequentemente tratadas não como seres humanos em vulnerabilidade, mas como “ameaças à ordem”, justificando políticas de repressão e higienização urbana promovidas por alguns prefeitos e sustentadas por discursos ideológicos em muitas câmaras municipais. Esse esvaziamento da empatia evidencia o quanto estamos falhando enquanto sociedade.

É fundamental reconhecer que a realidade das pessoas em situação de rua representa um desafio social de alcance global e complexo, para o qual não existem soluções simplistas — ainda que não faltem discursos fáceis e ideologicamente enviesados. Em vez de abordagens pautadas por reducionismos ideológicos, é imprescindível promover um debate amplo, envolvendo instituições públicas e privadas, além de toda a sociedade, para construir respostas mais humanas e eficazes.

Algumas cidades já desenvolveram iniciativas inovadoras para enfrentar essa questão, demonstrando que soluções viáveis podem ser encontradas. Vejamos no site do “Observatório do Terceiro Setor”. (https://observatorio3setor.org.br/lista-7-projetos-que-ajudam-pessoas-em-situacao-de-rua-no-brasil/). Esses projetos devem ser analisados e adaptados conforme a realidade e as possibilidades de cada município, promovendo estratégias que respeitem as particularidades locais e garantam a dignidade das pessoas em situação de rua.

A educação como caminho. A verdadeira inteligência humana não se resume à capacidade de processar informações, mas também envolve a sensibilidade para compreender o outro, humanizar-se e agir com ética e responsabilidade social.

Acredito no papel da educação na recuperação da inteligência humana. Se há um caminho para resgatá-la, ele passa necessariamente pela educação. Mas não qualquer educação – precisamos de um ensino que vá além da memorização e da repetição de informações, formando cidadãos críticos, reflexivos, éticos e humanizados.

Como ensinou Paulo Freire, a educação deve ser libertadora, capacitando as pessoas a pensar de forma independente, questionar discursos prontos de seus ‘líderes políticos’ ou de seus “ídolos” e, mais do que isso, refletir criticamente e construir soluções para os problemas da sociedade.

A inteligência humana necessita de recuperação, e isso só será possível quando a educação for fortalecida como instrumento de transformação social.

Qual lobo você vai alimentar? Leitor, você provavelmente já ouviu a antiga parábola dos “dois lobos”, uma história atribuída à tradição indígena Cherokee (EUA). Nela, um ancião ensina a seu neto uma valiosa lição sobre a natureza humana:

"Dentro de cada um de nós existem dois lobos travando uma batalha. Um representa a raiva, o ódio, a inveja e a irracionalidade. O outro simboliza a paz, o amor, a empatia e a sabedoria."

Curioso, o neto pergunta: "Qual dos dois vence?"

O ancião, então, responde: "Aquele que você alimentar."

Essa história nos convida a refletir. O ódio e a irracionalidade não são algo que não possamos evitar ou controlar. Podemos, sim, evitá-los e controlá-los, escolhendo, a cada dia, agir com mais empatia e bom senso. Está em nossas mãos decidir se alimentamos a intolerância ou se cultivamos a compreensão, o diálogo e a sabedoria. Que possamos escolher, sempre, aquilo que nos aproxima como seres humanos e nos torna pessoas capazes de transformar o mundo, que tanto precisa de equidade, respeito e fraternidade.

Que nossa preocupação não se limite apenas à inteligência artificial, mas se concentre, sobretudo, na inteligência humana. Afinal, ao aprimorarmos a inteligência humana, garantiremos um uso mais responsável, consciente e humanizado da inteligência artificial.

Pense nisso!

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